O QUE É GEOMORFOLOGIA?
Lucivanio Jatobá
Rachel Caldas Lins
Geomorfologia significa, etimologicamente, “o estudo
da forma da Terra” (geo-terra, morphos-forma, logos-estudo). Isso, contudo, não
corresponde à realidade, pois há uma outra ciência Ä a Geodésia Ä
que tem essa preocupação. A Geomorfologia não deve ser confundida, também, com
Topografia, que consiste em dar uma imagem topográfica da superfície do
planeta, buscando mensurar as formas do terreno. Enquanto a Geodésia e a
Topografia têm, em parte um caráter descritivo, a Geomorfologia preocupa-se com
o aspecto genético das formas do relevo terrestre.
A análise genética do relevo pressupõe uma descrição
do modelado e uma consideração dos complexos físicos e físico-biológicos. O
exame das formas de relevo requer, ainda, um conhecimento geológico razoável
para interpretá-las como fase atual de uma evolução. Esse fato explica o porquê
do grande número de termos genéticos utilizados em Geomorfologia.
HUNP (1989) define Geomorfologia como ciência
geológico-geográfica que estuda o relevo terrestre, sua estrutura, origem,
história do desenvolvimento e dinâmica atual.
A Geomorfologia fica na interface entre a Geografia e
a Geologia (Figura 1). Como acentua
PENTEADO (1974, p. 6), “por seu objeto Ä conhecimento da
superfície de contato entre fenômenos de natureza diferente Ä a Geomorfologia pertence à categoria de
ciência-ponte, como, por exemplo, a Bioquímica. Disso resulta uma conseqüência
importante: seus conceitos de base são, às vezes, modificadas fundamentalmente,
em função dos progressos das disciplinas estritamente analíticas, que têm por
objeto os fatos que se passam nos dois extremos da ponte.”
Podemos exemplificar essa frase de Margarida Penteado
citando os avanços ocorridos, nos últimos anos, na Geotectônica e Geologia
Estrutural, particularmente no que se refere à teoria da tectônica de Placas.
Hoje, a Geomorfologia tem uma melhor compreensão das estruturas maiores do
relevo terrestre (bacias oceânicas, dorsais meso-oceânicas, sistemas montanhosos
etc) graças aos conhecimentos mais recentes fornecidos por aqueles ramos das
ciências geológicas.
O objeto de estudo da Geomorfologia é o relevo da
superfície do planeta, e seus aspectos genéticos, cronológicos, morfológicos,
morfométricos e dinâmicos. Esse objeto ocorre numa zona de contato entre a
litosfera, a atmosfera e a biosfera (Figura 2). A porção mais superficial da
litosfera, palco dos fenômenos geomorfológicos, está submetida às ações de
forças opostas desencadeadas em cada meio em que se encontram. Materializa-se
assim a lei dialética da luta dos contrários, que permite descobrir as causas
do eterno movimento e desenvolvimento do mundo natural.
O relevo terrestre corresponde ao conjunto de
reentrância e saliências observadas na superfície do planeta, formado por
inúmeros processos. Esses processos podem ser provenientes do interior da terra
(endógenos), englobando os movimentos tectônicos e as manifestações vulcânicas,
e das forças externas à litosfera, mediante as interferências dos fenômenos
climáticos, da gravidade e da cobertura vegetal.
O relevo terrestre é um dos mais importantes
componentes do quadro natural. As suas peculiaridades condicionam a
distribuição dos solos, a vegetação e até algumas características climáticas
locais. Chega a determinar as possibilidades de aproveitamento dos recursos
hídricos, das jazidas minerais e do espaço para as construções (SANTANA e DIAZ,
1978).
A Geomorfologia se subdivide em três ramos: Geomorfologia
Geral, Geomorfologia Regional e Geomorfologia Aplicada. Essa é a subdivisão proposta pela Escola Russa
de Geografia.
A Geomorfologia Geral objetiva estudar as formas de
relevo originadas pela interação dos processos endógenos e exógenos
estabelecendo métodos de investigação e cartografia do relevo.
A Geomorfologia regional analisa a disposição das
grandes formas de relevo numa determinada região, buscando compreender
sobretudo a história evolutiva da compartimentação geomorfológica.
A Geomorfologia Aplicada visa à aplicação dos conhecimentos geomorfológicos para a solução
de problemas econômicos ligados ao relevo.
A antiga divisão estabelecida entre Geomorfologia
Estrutural e Geomorfologia Climática justifica-se, na atualidade, apenas para
atender aos objetivos meramente didáticos, haja vista que a Geomorfologia Geral
a englobou.
HUBP (1988) salienta que a ciência do relevo terrestre
tem uma enorme aplicação em todo o mundo, e muitas orientações da Geomorfologia
converteram-se em verdadeiros ramos especializados dessa ciência.
A Geomorfologia ajuda a compreender de que maneira as
formas de relevo respondem aos processos antrópicos, como por exemplo:
- os movimentos coletivos do regolito
(solifluxão, desmoronamentos, “creep”, deslizamentos etc.);
- a erosão do solo (laminar, em sulcos
etc.);
- os processos morfodinâmicos ligados ao
escoamento pluvial de áreas urbanas.
O desenvolvimento do relevo terrestre depende da
atuação de diversos fatores, dentre os quais salientam-se: os movimentos
tectônicos, as manifestações vulcânicas, as condições climáticas atuais e
pretéritas, a ação da gravidade, a cobertura vegetal, os corpos rochosos e as
ações antrópicas.
LEITURA
COMPLEMENTAR
Aspectos da Evolução da Geomorfologia
“ A curiosidade do Homem pelas formas caprichosas da
superfície terrestre é muito antiga; do mesmo modo são antigas as tentativas da
sua interpretação. As primeiras explicações eram visionárias, apresentadas em
forma de fábulas, construídas em torno de conceitos religiosos. No Ocidente
como no Oriente, aceitava-se que o mundo e a vida tivessem sido criados, num
curto espaço de tempo, por forças ou por seres sobrenaturais. Durante a Idade
Média, quando a igreja dirigia a cultura e o ensino, o dogma da criação do
mundo e da vida passou a dominar o pensamento especulativo. Desta maneira, dois
aspectos marcaram as primeiras preocupações de
descrição e de explicação das paisagens: o reconhecimento da capacidade
modeladora de certos agentes subaéreos; a submissão a uma cosmogonia teológica,
ao dogma da criação do mundo em seis
dias. Espíritos brilhantes, de raciocínio indutivo independente, como por
exemplo Leonardo Da Vincí (1452-1519), esse gênio da Renascença
italiana, mistura de pintor e escultor, arquiteto e engenheiro, inventor e
poeta, ou como G. L. Buffon (1707-1788), dois séculos mais tarde, deixando
testemunhos da compreensão dos mecanismos da erosão fluvial, acabaram por
tentar conciliar os fatos incontestáveis de observação com os princípios
cosmogônicos. De um lado estava “o mistério da concha no alto da montanha”, de
outro lado estavam os seis dias da criação do mundo e os quarenta dias do
dilúvio universal. A escolha, que não era fácil, mais difícil se tornaria pelo
temor dos anátemas da Igreja. Em 1654, na Inglaterra, um dos seus mais dignos
representantes, o Dr. John Lightfoot, vice-chanceler da Universidade de
Cambridge, com a sua autoridade de eclesiástico iluminado, definia o mistério
da criação nos seguintes termos: “Céu e terra, centro e circunstância, foram
criados no mesmo momento... No dia 26 de Outubro de 4.004 a.C., às 9h da manhã
“(!). Nota deliciosa de rigorismo de informação, não se pode esquecer, todavia,
a força que tal afirmação haveria de ter no pensamento da época, que tanto
temia a acusação de heresia. Para a gênese bíblica acabavam sempre por se
voltar os espíritos mais argutos.
O primeiro defensor da capacidade modeladora dos rios
foi o escocês James Hutton (1727-1797), que se pode considerar um dos principais progenitores da Geologia e,
com ela, da Geomorfologia. As suas teorias assentavam na observação rigorosa
dos fenômenos da natureza e na sua generalização corrente. Dele é a primeira
tentativa científica de uma história natural da terra, que é, afinal, o objeto
da Geologia moderna. Dizia James Hutton: “é na filosofia da natureza que
a história natural da Terra deve ser estudada; e não devemos permitir-nos
raciocinar sem elementos adequados, ou elaborar um sistema de sabedoria com
base numa ilusão hipotética; “arguir assim, mas dedutivamente, a partir das causas
atuais. Nascia assim o atualismo Ä “o presente é a chave
do passado” Ä
que muito mais tarde, por volta de 1830, com Charles Lyell, conheceria
grande favor: cada mundo era constituído sobre ruinas de um mundo anterior, e à
custa desta. (...) todavia, era demasiado cedo para a aceitação e propagação de
idéias tão revolucionárias, fora da compreensão dos seus contemporâneos. Até
mesmo na Inglaterra, mais liberal, tais idéias entravam, no campo da heresia, e
esta era severamente castigada. James Hutton passaria completamente
despercebido, se os seus críticos e os seus amigos não tivessem contribuído
para a divulgação, embora restrita, das suas teorias.”
(Ilídio do Amaral, in revista FINISTERRA, vol. 2, nº
3)
Nenhum comentário:
Postar um comentário