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quinta-feira, 2 de junho de 2016

O QUE É GEOMORFOLOGIA?



 O QUE É GEOMORFOLOGIA?
            Lucivanio Jatobá
            Rachel Caldas Lins

Geomorfologia significa, etimologicamente, “o estudo da forma da Terra” (geo-terra, morphos-forma, logos-estudo). Isso, contudo, não corresponde à realidade, pois há uma outra ciência Ä a Geodésia Ä que tem essa preocupação. A Geomorfologia não deve ser confundida, também, com Topografia, que consiste em dar uma imagem topográfica da superfície do planeta, buscando mensurar as formas do terreno. Enquanto a Geodésia e a Topografia têm, em parte um caráter descritivo, a Geomorfologia preocupa-se com o aspecto genético das formas do relevo terrestre.

A análise genética do relevo pressupõe uma descrição do modelado e uma consideração dos complexos físicos e físico-biológicos. O exame das formas de relevo requer, ainda, um conhecimento geológico razoável para interpretá-las como fase atual de uma evolução. Esse fato explica o porquê do grande número de termos genéticos utilizados em Geomorfologia.

HUNP (1989) define Geomorfologia como ciência geológico-geográfica que estuda o relevo terrestre, sua estrutura, origem, história do desenvolvimento e dinâmica atual.

A Geomorfologia fica na interface entre a Geografia e a Geologia (Figura 1).  Como acentua PENTEADO (1974, p. 6), “por seu objeto Ä conhecimento da superfície de contato entre fenômenos de natureza diferente Ä  a Geomorfologia pertence à categoria de ciência-ponte, como, por exemplo, a Bioquímica. Disso resulta uma conseqüência importante: seus conceitos de base são, às vezes, modificadas fundamentalmente, em função dos progressos das disciplinas estritamente analíticas, que têm por objeto os fatos que se passam nos dois extremos da ponte.

Podemos exemplificar essa frase de Margarida Penteado citando os avanços ocorridos, nos últimos anos, na Geotectônica e Geologia Estrutural, particularmente no que se refere à teoria da tectônica de Placas. Hoje, a Geomorfologia tem uma melhor compreensão das estruturas maiores do relevo terrestre (bacias oceânicas, dorsais meso-oceânicas, sistemas montanhosos etc) graças aos conhecimentos mais recentes fornecidos por aqueles ramos das ciências geológicas.

O objeto de estudo da Geomorfologia é o relevo da superfície do planeta, e seus aspectos genéticos, cronológicos, morfológicos, morfométricos e dinâmicos. Esse objeto ocorre numa zona de contato entre a litosfera, a atmosfera e a biosfera (Figura 2). A porção mais superficial da litosfera, palco dos fenômenos geomorfológicos, está submetida às ações de forças opostas desencadeadas em cada meio em que se encontram. Materializa-se assim a lei dialética da luta dos contrários, que permite descobrir as causas do eterno movimento e desenvolvimento do mundo natural.

O relevo terrestre corresponde ao conjunto de reentrância e saliências observadas na superfície do planeta, formado por inúmeros processos. Esses processos podem ser provenientes do interior da terra (endógenos), englobando os movimentos tectônicos e as manifestações vulcânicas, e das forças externas à litosfera, mediante as interferências dos fenômenos climáticos, da gravidade e da cobertura vegetal.

O relevo terrestre é um dos mais importantes componentes do quadro natural. As suas peculiaridades condicionam a distribuição dos solos, a vegetação e até algumas características climáticas locais. Chega a determinar as possibilidades de aproveitamento dos recursos hídricos, das jazidas minerais e do espaço para as construções (SANTANA e DIAZ, 1978).

A Geomorfologia se subdivide em três ramos: Geomorfologia Geral, Geomorfologia Regional e Geomorfologia Aplicada.  Essa é a subdivisão proposta pela Escola Russa de Geografia.

A Geomorfologia Geral objetiva estudar as formas de relevo originadas pela interação dos processos endógenos e exógenos estabelecendo métodos de investigação e cartografia do relevo.

A Geomorfologia regional analisa a disposição das grandes formas de relevo numa determinada região, buscando compreender sobretudo a história evolutiva da compartimentação geomorfológica.

A Geomorfologia Aplicada visa à aplicação dos  conhecimentos geomorfológicos para a solução de problemas econômicos ligados ao relevo.

A antiga divisão estabelecida entre Geomorfologia Estrutural e Geomorfologia Climática justifica-se, na atualidade, apenas para atender aos objetivos meramente didáticos, haja vista que a Geomorfologia Geral a englobou.

HUBP (1988) salienta que a ciência do relevo terrestre tem uma enorme aplicação em todo o mundo, e muitas orientações da Geomorfologia converteram-se em verdadeiros ramos especializados dessa ciência.

A Geomorfologia ajuda a compreender de que maneira as formas de relevo respondem aos processos antrópicos, como por exemplo:

- os movimentos coletivos do regolito (solifluxão, desmoronamentos, “creep”, deslizamentos etc.);
- a erosão do solo (laminar, em sulcos etc.);
- os processos morfodinâmicos ligados ao escoamento pluvial de áreas urbanas.

O desenvolvimento do relevo terrestre depende da atuação de diversos fatores, dentre os quais salientam-se: os movimentos tectônicos, as manifestações vulcânicas, as condições climáticas atuais e pretéritas, a ação da gravidade, a cobertura vegetal, os corpos rochosos e as ações antrópicas.

LEITURA COMPLEMENTAR

Aspectos da Evolução da Geomorfologia

“ A curiosidade do Homem pelas formas caprichosas da superfície terrestre é muito antiga; do mesmo modo são antigas as tentativas da sua interpretação. As primeiras explicações eram visionárias, apresentadas em forma de fábulas, construídas em torno de conceitos religiosos. No Ocidente como no Oriente, aceitava-se que o mundo e a vida tivessem sido criados, num curto espaço de tempo, por forças ou por seres sobrenaturais. Durante a Idade Média, quando a igreja dirigia a cultura e o ensino, o dogma da criação do mundo e da vida passou a dominar o pensamento especulativo. Desta maneira, dois aspectos marcaram as primeiras preocupações de  descrição e de explicação das paisagens: o reconhecimento da capacidade modeladora de certos agentes subaéreos; a submissão a uma cosmogonia teológica, ao dogma da  criação do mundo em seis dias. Espíritos brilhantes, de raciocínio indutivo independente, como por exemplo Leonardo Da Vincí (1452-1519), esse gênio da Renascença italiana, mistura de pintor e escultor, arquiteto e engenheiro, inventor e poeta, ou como G. L. Buffon  (1707-1788), dois séculos mais tarde, deixando testemunhos da compreensão dos mecanismos da erosão fluvial, acabaram por tentar conciliar os fatos incontestáveis de observação com os princípios cosmogônicos. De um lado estava “o mistério da concha no alto da montanha”, de outro lado estavam os seis dias da criação do mundo e os quarenta dias do dilúvio universal. A escolha, que não era fácil, mais difícil se tornaria pelo temor dos anátemas da Igreja. Em 1654, na Inglaterra, um dos seus mais dignos representantes, o Dr. John Lightfoot, vice-chanceler da Universidade de Cambridge, com a sua autoridade de eclesiástico iluminado, definia o mistério da criação nos seguintes termos: “Céu e terra, centro e circunstância, foram criados no mesmo momento... No dia 26 de Outubro de 4.004 a.C., às 9h da manhã “(!). Nota deliciosa de rigorismo de informação, não se pode esquecer, todavia, a força que tal afirmação haveria de ter no pensamento da época, que tanto temia a acusação de heresia. Para a gênese bíblica acabavam sempre por se voltar os espíritos mais argutos.
O primeiro defensor da capacidade modeladora dos rios foi o escocês James Hutton (1727-1797), que se pode considerar  um dos principais progenitores da Geologia e, com ela, da Geomorfologia. As suas teorias assentavam na observação rigorosa dos fenômenos da natureza e na sua generalização corrente. Dele é a primeira tentativa científica de uma história natural da terra, que é, afinal, o objeto da Geologia moderna. Dizia James Hutton: “é na filosofia da natureza que a história natural da Terra deve ser estudada; e não devemos permitir-nos raciocinar sem elementos adequados, ou elaborar um sistema de sabedoria com base numa ilusão hipotética; “arguir assim, mas dedutivamente, a partir das causas atuais. Nascia assim o atualismo Ä “o presente é a chave do passado” Ä que muito mais tarde, por volta de 1830, com Charles Lyell, conheceria grande favor: cada mundo era constituído sobre ruinas de um mundo anterior, e à custa desta. (...) todavia, era demasiado cedo para a aceitação e propagação de idéias tão revolucionárias, fora da compreensão dos seus contemporâneos. Até mesmo na Inglaterra, mais liberal, tais idéias entravam, no campo da heresia, e esta era severamente castigada. James Hutton passaria completamente despercebido, se os seus críticos e os seus amigos não tivessem contribuído para a divulgação, embora restrita, das suas teorias.”
(Ilídio do Amaral, in revista FINISTERRA, vol. 2, nº 3) 

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