A
PARTICIPAÇÃO DO CLIMA NA MORFOGÊNESE DO RELEVO TERRESTRE
Lucivânio Jatobá
Rachel Caldas Lins
O clima foi definido por Julius Hann como sendo o conjunto
de fenômenos meteorológicos que caracterizam o estado médio da atmosfera, numa
determinada parte da superfície terrestre. Max Sorre caracteriza-o como o ambiente
atmosférico constituído pela série de estados atmosféricos acima de um lugar,
em sua sucessão habitual. JRAMOV (1983) prefere defini-lo da seguinte
maneira: “O conjunto de condições atmosféricas próprio de uma dada região do
Globo, em função de sua situação geográfica”.
O clima é um dos mais destacados componentes da esfera
geográfica. Influencia consideravelmente todos os componentes do complexo
geográfico natural, particularmente o relevo terrestre.
Jean Tricart e André Cailleux afirmam que a influência
do clima sobre o relevo terrestre se dá de duas maneiras: direta e indireta.
As influências diretas são decorrentes dos principais elementos do
clima sobre os corpos rochosos que estão expostos ao ar atmosférico. Esses
elementos são principalmente as precipitações, a umidade, a temperatura do ar e
os ventos.
A ação do clima sobre as rochas acarretam,
inicialmente, os processos de meteorização destas e, posteriormente, a
ocorrência de processos erosivos deposicionais.
Inúmeros mecanismos morfogenéticos do relevo terrestre
são devidos a essas influências climáticas diretas. Eis alguns exemplos:
- a alternância gelo-degelo verificada
nas áreas periglaciais, que determina a crioclastia;
- as fortes amplitudes térmicas diárias
ocorridas em ambientes desérticos, responsáveis pela meteorização mecânica das
rochas;
- as interferências da umidade
atmosférica sobre as rochas, determinando a meteorização química;
- as variações de umidade e secura dos
ambientes tipicamente tropicais que provocam o aparecimento de couraças lateríticas;
- a atuação dos ventos nos ambientes
secos acarretando a formação de depressões de deflação e dunas;
- as precipitações pluviais,
interferindo no escoamento superficial e no regime dos rios.
As influências indiretas manifestam-se através
da cobertura vegetal. A vegetação funciona como um obstáculo à atuação dos
elementos climáticos, sobre as formações superficiais. As áreas que se
apresentam recobertas por florestas latifoliadas possuem um escoamento
superficial limitado e, consequentemente, uma absorção de grande quantidade de
água. As áreas sem florestas, sob condições climáticas úmidas, mostram um
escoamento superficial acelerado, uma infiltração rápida e, em decorrência,
intenso processo de erosão do regolito.
A vegetação densa impede que os processos
morfogenéticos se exerçam livremente sobre as rochas alteradas, atenuando,
assim, os processos erosivos.
Nos dias atuais, o estudo das formas das vertentes e
da sua evolução vem sendo feito levando-se em conta as interferências dos
fatores morfoclimáticos no presente e no passado. As feições assumidas pelas
vertentes podem denunciar as condições climáticas que desencadearam os
processos morfoescultadores das paisagens. Existem vários exemplos dessa
correlação:
- na região tropical úmida, as vertentes
apresentam-se com um perfil convexo, em geral com inclinação compreendida entre
10 e 15 graus;
- na zona das savanas (clima tropical
com duas estações distintas), as encostas são menos convexas e, às vezes,
tendem a um perfil retilíneo, com ligeiras ondulações;
- nas áseas semi-áridas, as vertentes
apresentam um perfil marcadamente côncavo, dominando as superfícies planas
(pediplanos) com relevos residuais (inselbergues).
PEDIMENTOS,
PEDIPLANOS E INSELBERGUES
As principais feições de relevo freqüentemente
encontradas nas áreas secas são: pedimentos, pediplanos e inselbergues.
Para os geomorfólogos franceses, o termo pedimento significa superfície
de aplanamento sobre rochas duras (cristalinas e cristalofilianas), enquanto a
palavra “glacis” designa uma superfície de erosão talhada em rochas tenras.
Os pedimentos apresentam um perfil côncavo nas
partes superior e média da vertente e suavemente inclinado em direção ao
talvegue mais próximo.
Os processos que dão origem aos pedimentos são
denominados de pedimentação.
Se as condições semi-áridas prolongam-se por tempo
bastante prolongado, a pedimentação alastra-se, desmonta ou rebaixa os
interflúvios e mesmo os divisores d’água
e, desse modo, dilata-se e consuma-se um pediplano resultante, portanto da coalescência
de pedimentos. Se, porém, essa evolução se processa num período relativamente
curto, ocorre apenas a, pedimentação, sob a forma de níveis de erosão
confinados nos vales fluviais.
Os inselbergues (bornhardt) são formas de relevo
isoladas sobre os pediplanos. Jean Dresch caracteriza os inselbergues como
sendo relevos em forma de “ilhas”, pouco extensos e esfacelados, sem sistema de
vales e cristas.
No estudo das formas de relevo, é importante a análise
da participação de paleoclimas. Inúmeras dessas formas existentes em
determinadas regiões morfoclimáticas são, em geral, heranças de
processos erosivos desencadeados sob condições climáticas diferentes das
atuais. As feições de relevo que não estão em consonância com as condições
climáticas atuais das áreas onde elas se encontram são chamadas paleoformas
de relevo.
As características paleoclimáticas são estudadas pela
Paleoclimatologia e são deduzidas a partir da análise das paleoformas, dos
depósitos correlativos e associações fossilíferas disseminadas nas seqüências
sedimentares.
As feições de relevo que não estão em concordância com
os processos morfoclimáticos atuais
operantes na área onde se localizam são denominadas paleoformas de relevo. Um
pedimento numa área quente úmida ou um fiorde numa região temperada
exemplificam paleoformas.
Os depósitos correlativos correspondem a
acumulação de sedimentos indicadores de prolongadas fases erosivas. Esses
depósitos, pelas suas características texturais e estruturais, permitem a
reconstituição paleoambiental. No Brasil, existe um depósito sedimentar,
denominado Grupo Barreiras, que se estende da Amazônia até o Sudeste do país,
indicador de paleoformas secas vigentes no Cenozóico.
Podemos apontar como evidências paleoclimáticas as
seguintes:
- presença de evaporitos,
depósitos eólicos, depósitos de corridas de lama e de areia e muito cascalho
são indicadores de clima seco;
- sedimentos vermelhos, calcários e
couraças lateríticas evidenciam climas quentes;
- depósitos de geleiras (morenas),
rochas estriadas e varvitos indicam clima muito frio.
No Brasil, as superfícies aplanadas ter sido
interpretadas como formas remanescentes de pedimentos e pediplanos e, portanto,
representativas de fases climáticas mais secas durante o Cenozóico.
Quando há
mudança no clima seco, responsável pela gênese do pedimento, em direção ao
úmido, as correntes fluviais passam a ter mais competência erosiva,
verificando-se, então, um processo de dissecação das paisagens pedimentadas.
Esse fato é freqüentemente constatado no Nordeste brasileiro.
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