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domingo, 5 de junho de 2016

NEOTECTONISMO NA MARGEM CONTINENTAL BRASILEIRA?



NEOTECTONISMO NA MARGEM CONTINENTAL BRASILEIRA?
                                       Lucivânio Jatobá


            A Neotectônica volta-se fundamentalmente para a ação e os efeitos dos processos  tectônicos ditos modernos, ou seja, aqueles que teriam acontecido no Neógeno-Quaternário. Em outras palavras, os fenômenos  neotectônicos seriam aqueles ocorridos de 2.600.000 de anos até o Presente.

 É  necessário lembrar que ainda existe uma certa controvérsia com relação à idade a partir da qual os fenômenos estruturais podem ser tidos como  neotectônicos. Há autores, por exemplo, que os  consideram como sendo os que ocorreram do Cretáceo ao Holoceno. Há outros, como por exemplo Y. Hasui (1990), que preferem a utilização do termo “tectônica ressurgente”, ao se referirem à reativação de falhamentos  pré-cambrianos acontecidos, no Brasil, durante o Cenozóico.

            Em 1948, o geólogo russo V. Obruchev apresentou uma interessante classificação dos  movimentos neotectônicos. Segundo tal autor, esses movimentos   são:
a)    Movimentos Alpinos
b)    Movimentos Recentes ( do Plioceno ao Quaternário)
c)    Movimentos Atuais.

São vários os indícios dos movimentos neotectônicos na superfície terrestre. Os que mais se destacam são:
-falhamentos em depósitos sedimentares plio-pleistocênicos.
-dobramentos que afetam camadas sedimentares terciárias e/ ou quaternárias.
-terraços marinhos e fluviais deformados.
-superfícies de erosão desniveladas ou assimetricamente dispostas.
-ocorrência de cachoeiras ( excluindo-se as interferências litológicas).
-lagos tectônicos na base de uma elevação.
-abalos sísmicos freqüentes nas proximidades de uma escarpa de falhas.
-meandros encaixados.

            Ainda existe um certo ceticismo com relação à existência de uma neotectônica no Brasil. Algumas razões são apontadas para justificar tal ceticismo:
- é possível a ocorrência de fenômenos neotectônicos numa margem passiva  de uma placa litosférica como a Sulamericana?
-   o número de sismos verificados no Brasil é muito pequeno, sobretudo quando comparado com os que se verificam em outras áreas tectonicamente ativas do planeta.
-  Não seriam as mudanças climáticas cenozóicas a principal causa do policiclismo do relevo brasileiro?

            As idéias sobre a ocorrência de manifestações neotectônicas no território brasileiro não são recentes. Diversos autores já fizeram referências a fenômenos dessa natureza no Brasil. Um dos trabalhos mais interessantes sobre esse tema foi o artigo intitulado “Vales tectônicos na planície amazônica” , escrito por Hilgard O’Reilly Sternberg, em 1950 e publicado na Revista  Brasileira de Geografia, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).  Naquele clássico trabalho, Sternberg chama a atenção para dois importantes aspectos da hidrografia amazônica que poderiam levar à suspeita de vales tectônicos jovens na região. Os indícios apresentados foram o paralelismo de alguns afluentes da margem esquerda do Amazonas e o padrão de drenagem retangular existente na Bacia Amazônica.

            Um outro autor que examinou mais detalhadamente a questão foi Rui Osório de Freitas, em seu artigo “Ensaio sobre o relevo tectônico do Brasil”, publicado em 1951, na Revista Brasileira de Geografia, do IBGE. Esse foi um trabalho mais vertical sobre as interferências tectônicas modernas sobre o relevo brasileiro. Rui Osório de Freitas afirmou que:
            As forças tectônicas, de natureza epirogênica, impuseram ao Brasil deformações caracterizadas por um relevo de bacias e planaltos, arqueamentos, muralhas , fossas e vales de afundamento , que dirigiram a geologia brasileira desde o Devoniano.”

            Esse autor  apontou, no artigo mencionado, vários indícios dessa ação tectônica no País:
            -drenagem dirigida para o interior da Bacia do Paraná;
            -altitudes crescentes das serras do Mar e da Mantiqueira;
            -arqueamento e ruptura da Serra do Mar e da Mantiqueira;
            -inclinação do peneplano ( sic) nordestino de W.NW a E. SE;
            -o “planalto da Borborema”, como o do Atlântico, é assimétrico. Possui o escarpamento de falha voltado para o lado oriental, bem marcado em Pernambuco e descamba gradualmente para o interior, exatamente como o planalto limitado pela escarpa da Serra do Mar.

Um outro autor que tratou das ações neotectônicas no Brasil foi o geógrafo francês Francis Ruellan, no clássico trabalho, sobre a Geomorfologia brasileira, “ O Escudo Brasileiro e os Dobramentos de Fundo” .  Ruellan, que influenciou consideravelmente toda uma geração de geógrafos físicos  do Brasil, identificou e mapeou as antigas linhas de dobramentos de fundo, que foram reativadas durante o Cenozóico, identificando as suas principais direções, por ele assim designadas:  Direção E-O; Direção “Brasileira” ( NE-SO) e Direção “Caraíba”(NO-SE).  Essas são as direções verificadas sobretudo no Nordeste do Brasil.

Gilberto Osório de Andrade e Rachel Caldas Lins, no artigo “Introdução à Morfoclimatologia do Nordeste do Brasil”, insistiram em afirmar que o relevo nordestino havia sofrido os efeitos de um tectonismo recente. Ao examinarem o núcleo pré-cambriano do Nordeste Oriental, esses autores concluíram que o núcleo referido esteve submetido à maior parte dos mesmos dobramentos de fundo que afetaram o Escudo Brasileiro, e  que, no Terciário Inferior, estes  teriam voltado a funcionar modestamente.

Essas idéias estruturalistas foram também aceitas por João José Bigarella e Gilberto Osório de Andrade, no artigo “Considerações sobre a estratigrafia dos sedimentos cenozóicos em Pernambuco- o Grupo Barreiras”  Esses autores consideraram que a partir do Terciário Inferior, a porção nordestina do escudo pré-cambriano brasileiro foi submetida a um soerguimento  epirogênico a cujo mecanismo esteve ligado o fato de terem voltado a funcionar antigos dobramentos de fundo das direções NE-SO ( direção “Brasileira”) e NO-SE ( direção “ Caraíba”), acompanhadas de falhas e fraturas.  Andrade e Bigarella consideraram, ainda, a participação da “flexura continental”, tese defendida por Boucart, em 1950, como de fundamental importância para a retenção dos sedimentos que compõem o Grupo Barreiras, na faixa oriental do Nordeste brasileiro.

“ O modo por que a formação Guararapes foi depositada na periferia atlântica do Nordeste induziu Andrade ( 1955, p.34), Dresch ( 1957) e Birot ( 1957) a configurarem uma deformação do tipo flexura continental que, segundo Boucart ( 1950), afeta geralmente os bordos dos continentes. Já Ruellan ( 1952) assinalara uma flexura da direção “Brasileira”(SW-NE) ao longo de toda a costa oriental do país, considerando ainda que os dobramentos dessa direção parecem os mais recentes na tectônica do escudo Brasileiro. Dresch e Birot admitiram que essa deformação teria ocorrido desde o Cretáceo, ou mesmo antes, tendo voltado a funcionar no Cenozóico.  Segundo Boucart, a linha axial da flexura é móvel e pode se deslocar, no correr dos tempos, quer para o interior do continente ( alargamento da zona subsidente), quer para o mar (alargamento da zona soerguida). Teria sido , então, na zona costeira subsidente alargada durante a reativação cenozóica que a acumulação dos depósitos correlativos da pediplanação se efetuou.”
(Andrade, 1968, p.6)

            Na década de 1970, Rachel Caldas Lins ( 1974), no livro “Aspectos gerais do Agreste pernambucano, epecialmente Caruaru”, publicado pela Fundação Joaquim Nabuco, voltou a defender a participação do neotectonismo na elaboração do relevo nordestino.  A autora adovoga que o Pd3 foi elaborado com a participação do tectonismo epirogenético ocorrido no Oligoceno. Essa superfície de erosão teria sido exaltada e a conseqüência principal desse fato foi a elaboração de um novo pediplano, o Pd2, no Plioceno Inferior. O Pd2, por sua vez, sofreu deformação tectônica que colaborou para a formação de uma nova superfície de erosão, o Pd1, fato este que se fez acompanhado de falhas e fraturas.

            José Salim, Maria do Socorro Lima e J.M. Mabesoone, ainda nos anos 70, estudando a Geomorfologia da faixa costeira oriental do Rio Grande do Norte identificaram diversos vales estruturais, do tipo “graben”, de idade recente, provavelmente do Quaternário Inferior. Tratam-se de vales mais novos do que a formação Guararapes e mais antigos do que a formação Macaíba, no Rio Grande do Norte. O amplo vale do Curimataú, por exemplo, na faixa de contato entre o cristalino pré-cambriano e os sedimentos Barreiras, encontra-se profundamente relacionado com um falhamento NE-SO. Os outros vales influenciados por um neotectonismo no Rio Grande do Norte são os rios Jacu, Trairí, Jundiaí e Potengi.

            Mais recentemente, Allaoua Saadi ( 1993), apresentou um importante esboço com algumas interpretações preliminares da neotectônica da Plataforma Brasileira.  Nesse didático e bem estruturado trabalho de síntese, Saadi ressalta que um dos fatos marcantes da Neotectônica no Nordeste brasileiro está representada por um domeamento crustal de escala regional, composto por vários eixos menores de direção NE-SW. Outras evidências do neotectonismo, apontadas pelo prof. Saadi, no Nordeste brasileiro são deslocamentos e dobramentos que teriam afetado sedimentos miocênicos e pleistocênicos no Ceará, mais especificamente a formação Camocim e alguns terraços fluviais.
           

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