NEOTECTONISMO NA MARGEM CONTINENTAL BRASILEIRA?
Lucivânio Jatobá
A Neotectônica volta-se
fundamentalmente para a ação e os efeitos dos processos tectônicos ditos modernos, ou seja, aqueles
que teriam acontecido no Neógeno-Quaternário. Em outras palavras, os
fenômenos neotectônicos seriam aqueles
ocorridos de 2.600.000 de anos até o Presente.
É necessário lembrar que ainda existe uma certa
controvérsia com relação à idade a partir da qual os fenômenos estruturais
podem ser tidos como neotectônicos. Há
autores, por exemplo, que os consideram
como sendo os que ocorreram do Cretáceo ao Holoceno. Há outros, como por
exemplo Y. Hasui (1990), que preferem a utilização do termo “tectônica
ressurgente”, ao se referirem à reativação de falhamentos pré-cambrianos acontecidos, no Brasil,
durante o Cenozóico.
Em 1948, o geólogo russo V. Obruchev
apresentou uma interessante classificação dos
movimentos neotectônicos. Segundo tal autor, esses movimentos são:
a)
Movimentos Alpinos
b)
Movimentos Recentes ( do Plioceno
ao Quaternário)
c)
Movimentos Atuais.
São vários os indícios dos movimentos neotectônicos na superfície
terrestre. Os que mais se destacam são:
-falhamentos em depósitos sedimentares
plio-pleistocênicos.
-dobramentos que afetam camadas sedimentares
terciárias e/ ou quaternárias.
-terraços marinhos e fluviais deformados.
-superfícies de erosão desniveladas ou
assimetricamente dispostas.
-ocorrência de cachoeiras ( excluindo-se as
interferências litológicas).
-lagos tectônicos na base de uma elevação.
-abalos sísmicos freqüentes nas proximidades de uma
escarpa de falhas.
-meandros encaixados.
Ainda existe um certo ceticismo com
relação à existência de uma neotectônica no Brasil. Algumas razões são
apontadas para justificar tal ceticismo:
- é possível a ocorrência de fenômenos neotectônicos numa margem
passiva de uma placa litosférica como a
Sulamericana?
- o número de sismos
verificados no Brasil é muito pequeno, sobretudo quando comparado com os que se
verificam em outras áreas tectonicamente ativas do planeta.
- Não seriam as mudanças
climáticas cenozóicas a principal causa do policiclismo do relevo brasileiro?
As idéias sobre a ocorrência de
manifestações neotectônicas no território brasileiro não são recentes. Diversos
autores já fizeram referências a fenômenos dessa natureza no Brasil. Um dos
trabalhos mais interessantes sobre esse tema foi o artigo intitulado “Vales tectônicos na planície amazônica”
, escrito por Hilgard O’Reilly Sternberg, em 1950 e publicado na Revista Brasileira de Geografia, do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Naquele clássico trabalho, Sternberg chama a atenção para dois
importantes aspectos da hidrografia amazônica que poderiam levar à suspeita de
vales tectônicos jovens na região. Os indícios apresentados foram o paralelismo
de alguns afluentes da margem esquerda do Amazonas e o padrão de drenagem
retangular existente na Bacia Amazônica.
Um outro autor que examinou mais
detalhadamente a questão foi Rui Osório de Freitas, em seu artigo “Ensaio sobre o relevo tectônico do Brasil”,
publicado em 1951, na Revista Brasileira de Geografia, do IBGE. Esse foi um
trabalho mais vertical sobre as interferências tectônicas modernas sobre o
relevo brasileiro. Rui Osório de Freitas afirmou que:
“As forças tectônicas, de natureza
epirogênica, impuseram ao Brasil deformações caracterizadas por um relevo de
bacias e planaltos, arqueamentos, muralhas , fossas e vales de afundamento ,
que dirigiram a geologia brasileira desde o Devoniano.”
Esse autor apontou, no artigo mencionado, vários
indícios dessa ação tectônica no País:
-drenagem
dirigida para o interior da Bacia do Paraná;
-altitudes
crescentes das serras do Mar e da Mantiqueira;
-arqueamento
e ruptura da Serra do Mar e da Mantiqueira;
-inclinação
do peneplano ( sic) nordestino de W.NW a E. SE;
-o
“planalto da Borborema”, como o do Atlântico, é assimétrico. Possui o
escarpamento de falha voltado para o lado oriental, bem marcado em Pernambuco e
descamba gradualmente para o interior, exatamente como o planalto limitado pela
escarpa da Serra do Mar.
Um outro autor que tratou das ações neotectônicas no Brasil foi o
geógrafo francês Francis Ruellan, no clássico trabalho, sobre a Geomorfologia
brasileira, “ O Escudo Brasileiro e os
Dobramentos de Fundo” . Ruellan, que
influenciou consideravelmente toda uma geração de geógrafos físicos do Brasil, identificou e mapeou as antigas
linhas de dobramentos de fundo, que foram reativadas durante o Cenozóico,
identificando as suas principais direções, por ele assim designadas: Direção E-O; Direção “Brasileira” ( NE-SO) e
Direção “Caraíba”(NO-SE). Essas são as
direções verificadas sobretudo no Nordeste do Brasil.
Gilberto Osório de Andrade e Rachel Caldas Lins, no artigo “Introdução à Morfoclimatologia do Nordeste
do Brasil”, insistiram em afirmar que o relevo nordestino havia sofrido os
efeitos de um tectonismo recente. Ao examinarem o núcleo pré-cambriano do
Nordeste Oriental, esses autores concluíram que o núcleo referido esteve
submetido à maior parte dos mesmos dobramentos de fundo que afetaram o Escudo
Brasileiro, e que, no Terciário
Inferior, estes teriam voltado a
funcionar modestamente.
Essas idéias estruturalistas foram também aceitas por João José
Bigarella e Gilberto Osório de Andrade, no artigo “Considerações sobre a estratigrafia dos sedimentos cenozóicos em
Pernambuco- o Grupo Barreiras” Esses
autores consideraram que a partir do Terciário Inferior, a porção nordestina do
escudo pré-cambriano brasileiro foi submetida a um soerguimento epirogênico a cujo mecanismo esteve ligado o
fato de terem voltado a funcionar antigos dobramentos de fundo das direções
NE-SO ( direção “Brasileira”) e NO-SE ( direção “ Caraíba”), acompanhadas de
falhas e fraturas. Andrade e Bigarella
consideraram, ainda, a participação da “flexura continental”, tese defendida
por Boucart, em 1950, como de fundamental importância para a retenção dos
sedimentos que compõem o Grupo Barreiras, na faixa oriental do Nordeste
brasileiro.
“ O modo por que a formação Guararapes foi depositada na periferia
atlântica do Nordeste induziu Andrade ( 1955, p.34), Dresch ( 1957) e Birot (
1957) a configurarem uma deformação do tipo flexura continental que, segundo Boucart
( 1950), afeta geralmente os bordos dos continentes. Já Ruellan ( 1952)
assinalara uma flexura da direção “Brasileira”(SW-NE) ao longo de toda a costa
oriental do país, considerando ainda que os dobramentos dessa direção parecem
os mais recentes na tectônica do escudo Brasileiro. Dresch e Birot admitiram
que essa deformação teria ocorrido desde o Cretáceo, ou mesmo antes, tendo
voltado a funcionar no Cenozóico.
Segundo Boucart, a linha axial da flexura é móvel e pode se deslocar, no
correr dos tempos, quer para o interior do continente ( alargamento da zona
subsidente), quer para o mar (alargamento da zona soerguida). Teria sido ,
então, na zona costeira subsidente alargada durante a reativação cenozóica que
a acumulação dos depósitos correlativos da pediplanação se efetuou.”
(Andrade, 1968, p.6)
Na década de 1970, Rachel Caldas
Lins ( 1974), no livro “Aspectos gerais
do Agreste pernambucano, epecialmente Caruaru”, publicado pela Fundação
Joaquim Nabuco, voltou a defender a participação do neotectonismo na elaboração
do relevo nordestino. A autora adovoga
que o Pd3 foi elaborado com a participação do tectonismo epirogenético ocorrido
no Oligoceno. Essa superfície de erosão teria sido exaltada e a conseqüência principal
desse fato foi a elaboração de um novo pediplano, o Pd2, no Plioceno Inferior.
O Pd2, por sua vez, sofreu deformação tectônica que colaborou para a formação
de uma nova superfície de erosão, o Pd1, fato este que se fez acompanhado de
falhas e fraturas.
José Salim, Maria do Socorro Lima e
J.M. Mabesoone, ainda nos anos 70, estudando a Geomorfologia da faixa costeira
oriental do Rio Grande do Norte identificaram diversos vales estruturais, do
tipo “graben”, de idade recente, provavelmente do Quaternário Inferior.
Tratam-se de vales mais novos do que a formação Guararapes e mais antigos do
que a formação Macaíba, no Rio Grande do Norte. O amplo vale do Curimataú, por
exemplo, na faixa de contato entre o cristalino pré-cambriano e os sedimentos
Barreiras, encontra-se profundamente relacionado com um falhamento NE-SO. Os
outros vales influenciados por um neotectonismo no Rio Grande do Norte são os
rios Jacu, Trairí, Jundiaí e Potengi.
Mais recentemente, Allaoua Saadi (
1993), apresentou um importante esboço com algumas interpretações preliminares
da neotectônica da Plataforma Brasileira.
Nesse didático e bem estruturado trabalho de síntese, Saadi ressalta que
um dos fatos marcantes da Neotectônica no Nordeste brasileiro está representada
por um domeamento crustal de escala regional, composto por vários eixos menores
de direção NE-SW. Outras evidências do neotectonismo, apontadas pelo prof.
Saadi, no Nordeste brasileiro são deslocamentos e dobramentos que teriam
afetado sedimentos miocênicos e pleistocênicos no Ceará, mais especificamente a
formação Camocim e alguns terraços fluviais.
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