ANÁLISE DE TEXTO
A ESCULTURA DA TERRA
Aziz Nacib Ab'Sáber
Todas
as ações naturais capazes de corroer e desgastar a superfície da Terra recebem
o nome genérico de erosão. Por muito tempo, os processos erosivos foram
entendidos, por geógrafos e geólogos, como sendo um tipo de desgaste lento,
feito sobretudo pelas águas correntes. Mais tarde, estendeu-se o nome de
desgaste lento, feito sobretudo pelas águas correntes.
Mais tarde, estendeu-se o nome aos mais diferentes processos de
desgaste, associados ao imediato transporte das partículas erodidas. Passou-se
a identificar erosão fluvial, erosão eólica ( feita pelos ventos), a erosão
glacial (relacionada com as geleiras) e erosão química (dissolução das rochas)
e assim por diante. Apenas para o trabalho de desgaste feito pelas ondas
reservou-se um nome especial, ou seja, abrasão.
A
ação prévia da erosão feita nas áreas- fontes de fornecimento das partículas
recebeu o nome de intemperismo. Desta forma, o intemperismo seria uma prévia ou
um prefácio da erosão. Ele decompõe ou desintegra as rochas, preparando-as para
a intervenção dos outros processos erosivos, sejam eles relacionados com as
águas correntes, o vento ou as geleiras. Ficou assentado, a partir daí, que os
processos ditos elementares de erosão preparam a rocha e os solos para serem
transportados pelos agentes de erosão propriamente ditos. E mais, que os
agentes de erosão se encarregam do transporte das partículas para outras áreas,
próximas ou distantes.
Baseado
em tudo isso, foi fácil estabelecer que
existem feições predominantemente erosivas e feições predominantemente
deposicionais na superfície da Terra. Alguns autores, a partir do
começo do presente século ( século XX), passaram a falar de formas de erosão, formas residuais e
formas deposicionais. Uma
escarpa elaborada pela erosão é uma feição erosiva. Os pequenos morros
salientes, localizados à frente da escarpa,
são considerados feições residuais. Por sua vez, os depósitos situados mais à
frente, como saldo dos processos erosivos, são feições deposicionais.
Isto está coreto até certo ponto, pois os processos erosivos agem sempre
através de combinações complexas, e não de modo isolado e esquemático, como
muitos imaginaram.
Atualmente,
todos os especialistas concordam que a superfície da Terra não foi esculpida
apenas por simples e isolados processos de erosão. Entretanto, numerosos livros
didáticos continuam a enumerar os tipos isolados de erosão, responsabilizando
este ou aquele processo erosivo por todas as feições do relevo terrestre. Na
realidade, temos que corrigir de imediato tal distorção, incluindo pelo menos
algumas idéias básicas:
1-
os
fatores responsáveis pela elaboração das formas de relevo são sempre
combinações regionais de processos, dependentes das condições climáticas ( e
hidroclimáticas) de cada área.
2-o
relevo atual é sempre uma herança de prolongados processos combinados de erosão
, que variaram muitas vezes no decorrer do tempo.
3-a
explicação das feições erosivas, feições residuais e feições deposicionais é
mais complexa do que se imaginava até há poucos anos.
Paralelamente à
introdução do termo erosão, para explicar fatos referentes ao relevo terrestre,
surgiu no século XIX um outro termo que merece comentários especiais. Referimo-nos à palavra desnudação ou denudação. Trata-se de um termo mais
significativo do que erosão. Embora dizendo respeito a longos processos
erosivos, o vocábulo desnudação tem um significado próprio. Ele indica
remoção maciça de rochas que estiveram
recobrindo ou envolvendo qualquer parte da crosta terrestre.
A palavra desnudação
perdurou por muito tempo na terminologia das ciências da Terra porque tinha
força para dar a idéia de remoção generalizada de massas de solos e rochas de
uma porção determinada da estrutura geológica de uma região qualquer. Os
exemplos de situações em que se pode deduzir a incidência de longos processos
denudacionais são numerosos:
-existem áreas
em que as rochas intrusivas estão expostas à superfície. Sabendo-se que tais
rochas se originaram em bolsões a 5000 ou 10000 metros de profundidade ( tal
como acontece com os granitos), deduz-se que foi a denudação prolongada que
efetuou a remoção das massas rochosas ditas encaixantes , expondo as
rochas de origem profunda. Deduz-se, também, que houve processos de
levantamento regional, por forças internas, que estimularam naturalmente a
atuação dos processos denudacionais. Não sabemos muito sobre os processos
erosivos específicos que determinaram a desnudação;
-existem, em numerosas situações,
grandes lentes ou massas de rochas duras que permanecem envolvidas por rochas
tenras e que, durante fases de soerguimento regional, sofrem a ação de uma
desnudação, através da qual as massas duras permanecem cada vez mais salientes,
formando picos ou maciços, e as rochas tenras são rebaixadas. Tal tipo de
desnudação, relacionada com o caráter diferencial dos processos erosivos,
recebeu nomes específicos como circundesnudação
e, às vezes, circunvalação;
existe um tipo de circundesnudação
muito extenso, que se processa em torno de uma grande bacia sedimentar
soerguida. Nesse sentido, todas as principais bacias sedimentares e basálticas
do planalto Brasileiro estiveram sob a atuação prolongada da desnudação
marginal (e circundesnudação) no
decorrer de dezenas de milhões de anos, desde os fins do Cretáceo até os fins
do Terciário. Sabemos que houve uma gigantesca remoção de massas rochosas em
torno das bacias sedimentares brasileiras, mas pouco sabemos sobre os processos
erosivos que se fizeram atual por tão prolongado tempo de desnudação.
Por último queremos
dizer que o termo desnudação , ou desnudação subaérea, é uma expressão cômoda para indicar longas
fases de erosão e remoção de solos e rochas de uma determinada área, mas é
quase totalmente incapaz de indicar processos erosivos específicos que em
combinações complexas acarretaram o desgaste e o transporte das rochas
removidas. E´ incapaz, também, de mostrar ou mesmo sugerir que as combinações
de processos erosivos variaram muito, de tempo em tempo.
Recentemente foi
introduzida a noção mais complexa de sistema de erosão, para explicar os
grandes conjuntos regionais de formas de relevo. Um sistema de erosão se traduz
sempre por um conjunto de processos erosivos inter-relacionados que, em função
das condições climáticas zonais e regionais, elaboram feições específicas no
relevo das áreas em que atuam. São processos combinados de erosão e deposição
que respondem por feições de relevo, de tipo erosivo, de tipo residual e de
tipo deposicional. Cada sistema de erosão é um conjunto de forças responsável
pela formação de um conjunto solidário de formas. A atuação de tais sistemas
atinge parcelas expressivas das áreas continentais, variando desde centenas de
milhares de quilômetros até milhões de km² , em área.
Com base nas relações
entre vegetação, os solos e as feições de relevo ocorrentes em cada área de
atuação dos sistemas de erosão, também chamados sistemas morfogenéticos,
foram identificados os principais domínios morfoclimáticos da face da Terra:
sistema de erosão e domínio morfoclimático das regiões frias e glaciais ( continentais e de altitude);
sistema de erosão e domínio morfoclimático periglacial; sistema de erosão e
domínio morfoclimático mediterrâneo, com suas nuances subtropicais; sistema de
erosão e domínio morfoclimático tropical ( 1- com florestas pluviais; 2- com
savanas ou cerrados); sistema de erosão e domínio morfoclimático semi-árido (
1- frio; 2- quente); e finalmente, o sistema de erosão e o domínio
morfoclimático desértico ( 1- frio, 2- quente).
O termo de mais
recente introdução em ciências que dizem respeito ao relevo terrestre é o
vocábulo morfoclimático
. Tal palavra pretende associar as formas ao clima ( morphos
– forma). Aplica-se a qualquer grupo ou combinação de fatos capazes de
participar da elaboração de feições combinadas de relevo terrestre. As forças
erosivas combinadas, incluindo os próprios processos regionais de formação de
solos, são chamados de processos morfoclimáticos. Em escala mundial podem-se reconhecer faixas morfoclimáticas zonais , de grande extensão e
similitude, que afetam terras pertencentes a diversos continentes . As
principais áreas de atuação dos processos morfoclimáticos, em um mesmo bloco
continental, podem ser chamadas de domínios
morfoclimáticos.
No caso do Brasil, a
expressão domínio está sendo empregada com o sentido de uma grande região de
paisagens morfológicas, em um país de dimensões efetivamente continentais. Não
é, porém, uma simples preferência, pois domínio é uma palavra menos rígida do
que província ou região; significa, no caso, uma grande área de predomínio de
certos processos responsáveis por determinados conjuntos de feições geomorfológicas. Trata-se, apenas, de uma grande área de predomínio de certas
feições criadoras de formas de relevo. Os atuais domínios morfoclimáticos
tiveram outro arranjo e outros aspectos em um passado recente, sobretudo
durante o período Quaternário ( de um a três milhões de anos atrás).
Para se entender toda
a importância dos processos morfoclimáticos, é conveniente saber que os
processos de origem externa em nosso planeta têm dois tipos gerais de atuação: atuação linear e atuação areolar. São processos lineares aqueles que
relacionados com a atuação dos rios através dos talvegues dos vales. Por sua
vez, são processos areolares todos os processos combinados de erosão em área,
que afetam uma região em quase toda a sua extensão, quer nos interflúvios (divisores d’água), quer nas vertentes
(faixas de encostas dos vales).
Os processos erosivos
de atuação linear, nas áreas dotadas de
rios, são sempre de escavação pela erosão mecânica, efetuada pela água e seus
materiais de transporte, ou de deposição pela sedimentação dos detritos em
transporte, nas margens dos cursos d’água. Já os processos areolares atuam um
pouco por quase toda parte do relevo, desde os interflúvios até os próprios
fundos dos vales. São eles os únicos responsáveis pela escultura das terras que
estão acima do nível do rio e escapou das inundações ribeirinhas. Por outro
lado, eles são sempre processos combinados de formação de solos, de
desenvolvimento da cobertura vegetal e de elaboração de formas de relevo.”
Este texto foi extraído, em parte, do livro:
Formas do Relevo- Texto Básico. Ed. Edart, São Paulo, 1975)
Análise e Discussão do Texto
Questões:
1-
Que relação existe entre intemperismo e erosão?
2-
Que entende por Desnudação?
3-
O que é um domínio
morfoclimático?
4-
Diferencie e exemplifique: Feições Erosivas, Feições
Residuais e Feições Deposicionais de Relevo. Faça ilustrações gráficas.
5 -Explique essa frase: -o relevo atual é sempre uma herança de
prolongados processos combinados de erosão , que variaram muitas vezes no
decorrer do tempo.
6-
Explique o que significa processos morfoclimáticos. Por que
tais processos são importantes para a análise geomorfológica?
7-
Examine a figura a seguir.
Que processos morfoclimáticos agiram e
ainda atuam nessa paisagem geomorfológica?
8-
A fotografia a seguir mostra uma paisagem geomorfológica que é
bastante comum em certas regiões do Brasil. Explique a gênese e a evolução
dessa paisagem.